Hoje, durante o princípio da tarde, acabei de ler “Desistir”, de Annie Duke, ex-investigadora na Universidade da Pensilvânia, ex-jogadora profissional de póquer [ganhou o “World Series of Poker”, seja isso o que for] e consultora de empresas. É de desconfiar de um livro que nos ensina a desistir e do qual não se desiste [de ler]. Esquecendo esta [legítima] desconfiança, é verdade que temos propensão para valorizar quem persiste, quem não desiste, quem é determinado, quando a coragem está na desistência, com [muita] frequência. Não nos damos conta de custos irrecuperáveis de tempo, de dinheiro ou de esperança [os economistas costumam designá-los por custos afundados] que não devem ser considerados na decisão de persistir ou de desistir.
As competições europeias dispõem desses custos irrecuperáveis e as equipas, os treinadores e os adeptos não se dão conta. O Sporting passou a fase de grupos da Liga Europa, eliminou o Young Boys nos dezasseis-avos de final e encontrava-se no jogo da segunda mão dos oitavos de final, depois de empatar na primeira. Este esforço, este sucesso não produz qualquer efeito nas eliminatórias seguintes e numa [eventual] vitória final, quando ainda estão nesta competição o Liverpool, o Leverkusen ou o Milão. Desistir não constitui uma decisão absoluta, é [só] a melhor forma de escolher as coisas certas em que vale a pena insistir. Mas como atirar para trás das costas este passado e tomar a decisão certa? O Rúben Amorim sempre foi dizendo que a prioridade era o campeonato, que era preciso gerir a equipa e o esforço dos jogadores, blá-blá-blá. Para bom entendedor!...
Os jogadores seguiram à risca estas prioridades. Começaram devagar, devagarinho, como quem espera o fim da contagem dos votos dos círculos da emigração, as conversas do Presidente da República com os partidos políticos, a indigitação de novo primeiro-ministro, a formação de novo governo, a aprovação do orçamento retificativo, o aumento dos polícias para, por fim, se jogar contra o Famalicão. A equipa do Atalanta falhou duas oportunidades seguidas e os custos irrecuperáveis voltaram à memória dos jogadores. Zás-pás-traz e estávamos a ganhar por um a zero, com golo de Pedro Gonçalves, depois de assistência do Zicky Té, desculpem, do Gyökeres. Um golo com festejos menos animados do que alguns rituais fúnebres, quando se percebeu que o Pedro Gonçalves se tinha lesionado. A melhor maneira de desistir é estabelecer critérios de aniquilação, isto é, definir os objetivos que permitem medir o sucesso a curto, médio e longo prazo “a menos que”. Ficou evidente [para quem não tinha compreendido], que estávamos dispostos a ganhar o jogo e a eliminatória “a menos que” ficássemos com metade da equipa para o resto da época.
O intervalo serviu para refrescar a memória dos jogadores quanto às prioridades e aos critérios de aniquilação. Não se estranha, portanto, que aos quarenta segundos da segunda parte o St. Juste falhe o alívio e o Esgaio deixe o avançado do Atalanta passar-lhe por entre as pernas, ficando à sua frente e marcando o empate. Poucos minutos depois, o Inácio oferece a bola a um adversário, o Diomande fica petrificado e o St. Juste resolve colocar em jogo um avançado [marcantemente] tatuado para que pudesse fazer o dois a um. Uma parte da desistência estava consumada, mas ainda faltava muito tempo para o jogo acabar. Há quem ache que o Edwards e o Paulinho falharam umas três ou quatro oportunidade de golo. Não acho. Acho, sim, que estavam focados no campeonato e é difícil estar focado no campeonato e marcar golos a uma equipa com camisola azul às riscas pretas. À conta desta brincadeira, ainda íamos matando de ataque cardíaco a rapaziada de Bérgamo.
Os melhores jogadores de póquer são aqueles que mais mãos largam, que mais desistem. Na batalha [psicológica] entre segurar ou largar, os amadores seguram, enquanto os profissionais largam. O Rúben Amorim largou esta mão. Só os amadores é que seguram [sempre] para não perderem a oportunidade de confirmar se a deviam ter segurado ou largado, mesmo que as probabilidades estejam todas contra eles, chamando-se Liverpool, Leverkusen ou Milão.